Você está visualizando atualmente Transplantes de rim na Santa Casa salvam vida de criança e adolescente

Transplantes de rim na Santa Casa salvam vida de criança e adolescente

No domingo, 12 de setembro, o sol animou milhares de paraenses, já mais tranquilizados em relação à pandemia do coronavírus. Desde agosto, o estado foi reclassificado no bandeiramento verde, com retomada de atividades em ritmo próximo à normalidade. 

Tão verde quanto é este mês, setembro: a bandeira do Setembro Verde no calendário nacional de mobilização destaca a importância da doação de orgãos. 

Pois, enquanto muita gente aproveitava o fim-de-semana, a equipe multiespecializada de transplante renal pediátrico da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP) se preparava para mudar a vida de  Sandro,10, e Kayla Gabrielly, 17.

Depois de um hiato forçado em meio à crise sanitária de covid-19, o Serviço de Nefrologia do Hospital, única referência no estado para tratamento com crianças e adolescentes com problemas renais crônicos, acaba de retomar essa classe de cirurgias.

Entre a noite de domingo e a madrugada de segunda-feira (13), a criança de Barcarena, no nordeste do Pará, e a adolescente de Belém receberam, cada, um rim do mesmo doador falecido: uma criança de 8 anos de um município do interior. 

Eficiência

A prospecção da família de um doador morto, ainda mais criança, é talvez o maior desafio do processo complexo de transplantes de órgãos, porque envolve as emoções irreparáveis de entes enlutados. 

“Tudo inicia com a identificação de pacientes internados em utis [unidades de terapia intensiva] com suspeita de morte encefálica. Quem são esses pacientes? São pacientes com lesão encefálica grave, como traumatismo cranioencefálico. A tendência é evoluir para morte encefálica. Deixam de responder com sinais vitais. Ante a suspeita, abre-se o protocolo de ‘morte encefálica’, realizado por no mínimo três médicos diferentes e em quatro etapas: dois diagnósticos clínicos, teste de apnéia e exame complementar, de imagem do cérebro”, explica a coordenadora da Central Estadual de Transplantes do Pará (CET-PA), da Secretaria de Saúde Pública (Sespa). 

De acordo com a profissional, todo caso de morte encefálica obrigatoriamente é notificado à CET. Se o quadro for confirmado, a família é chamada para a notícia, dentro de um contexto humanizado de acolhimento. “Junto com o médico, uma equipe intra-hospitalar de doação de órgãos conversa com a família sobre a possibilidade de doação de órgãos. Se a família aceitar, a CET passa a gerenciar a captação de órgãos: retirada, acomodação e destinação”, esclarece. 

A seleção de pacientes receptores é resultado de cruzamento de dados, como compatibilidade, a partir da ordem da lista de espera. 

Outra instituição fundamental para o fluxo é o Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Pará (Hemopa), cujos laboratórios aferem as conformidades. 

“Contamos com uma equipe de sobreaviso 24h, do laboratório de Imunogenética, composta por biomédicos, farmacêuticos e técnicos em patologia clínica. A participação do Hemopa é fundamental no fluxo dos transplantes que acontecem no estado do Pará. Sem o laboratório de Imunogenética seria impossível saber o HLA  (Antígeno Leococitário Humano) dos doadores e receptores e fazer exames de compatibilidade”, destacou Maurício Koury Palmeira, biomédico e Coordenador de Laboratórios do Hemopa. 

Santa Casa

Desde 2019, com credenciamento pelo Ministério da Saúde (MS), a Santa Casa realiza transplantes renais pediátricos.

Os de agora foram o terceiro e quarto transplantes. 

Para a coordenadora do serviço de nefrologia pediátrica e coordenadora do Programa de Transplante Renal Pediátrico da Santa Casa, a nefrologista Monik Calandrini, os dias das cirurgias de Sandro e Kayla foram “especiais”, sobretudo pelo contexto do Setembro Verde e por a Santa Casa ser referência tanto para tratamento dialítico, quanto para transplante de rim em crianças e adolescentes no Pará.  

“Existe uma organização muito rigorosa e emblemática para que um rim venha de um doador e chegue a um receptor com segurança. É seguida a ordem de crianças inscritas previamente, no âmbito do Sistema Estadual de Transplantes [SET] e do Sistema Nacional de Transplantes [SNT]. A seleção inclui avaliação clínica, avaliação laboratorial e avaliação imunológica, que é o resultado da prova-cruzada, que diz se o receptor pode receber o rim do doador, se o receptor não vai formar anticorpos em relação ao rim”, detalha.

Segundo ela, “o transplante renal é um tratamento para a doença renal crônica em crianças, não é a cura: muda de verdade a qualidade de vida e permite que a criança cresça, desenvolva-se, em um nível bem similarizado ao fisiológico”, completa. 

O cirurgião pediátrico Eduardo Amoras, do staff da Santa Casa, explana que os pacientes do doença renal crônica dialítica, ou seja, passavam boa parte do seu tempo dentro da Unidade de Terapia Substitutiva Renal fazendo hemodiálise: “A hemodiálise é feita três vezes por semana, em média, e às vezes até todo dia, em algumas situações. A qualidade de vida com uma criança, de um adolescente, de um adulto é praticamente toda voltada à sua sobrevivência às custas da hemodiálise. Quando esse paciente transplanta o rim, ele sai dessa condição dialítica e volta para uma saúde próxima do normal, podendo estabelecer novamente seu vínculo com a escola, com os amigos, com o lazer”, pontua. 

No Serviço de Terapia Substitutiva da Santa Casa, são hoje 26 crianças, de todos os municípios do Pará, em tratamento com hemodiálise e espera de transplante.

Conforme o Centro Estadual de Transplantes, são, na atualidade, 31 pacientes, entre crianças e adolescentes até 17 anos, na fila de espera de transplante de rim no Pará. 

Fé e Força

Com um diagnóstico de nefrite sem causa definida, há dois anos e meio Sandro era proibido de beber mais do que 300m de água por dia. O irmão caçula, Cristiano Vitório, 5, ajudava a vigiar as vontades. 

Dieta e brincadeiras também eram restritas. Por conta da doença, ele até deixou de frequentar a escola, no desgaste de precisar de hemodiálise três vezes por semana e no medo que os pais tinham de que ele passasse mal na rua. 

“A gente vê na tv essas histórias de doença e acha que nunca vai acontecer com a gente. Nosso filho era saudável e de repente apareceu mofino. Os médicos de Barcarena disseram que era anemia. Quando ele vomitou e desmaiou, foram descobrir a questão dos rins”, conta o pai, o eletricista Souriano Nonato Netto. 

 O pai, baiano do município de Alagoinha, conheceu a esposa, Laíza Rafaela, 29, quando viajou a trabalho para Vigia, no nordeste do Pará. Laíza abandonou a atividade de comerciária para ficar com o filho. 

A família mora no bairro de Zita Cunha, em Barcarena. 

“Assim que tiver alta, quero tomar um banhão de chuveiro”, empolga-se o menino, cujos banhos evitavam molhar o cateter de hemodiálise. 

A mãe, Laíza, respira aliviada com o transplante: “A Santa Casa fez tudo certo para nós. Eu sou mãe e ela funciona como uma segunda mãe”, diz.

Kayla

Com o transplante, Kayla Gabrielly vai poder pensar melhor se pretende cursar Direito ou Medicina. Também quer fazer intercâmbio nos Estados Unidos e levar o sobrinho único, Davi, de dois anos, filho da irmã Elouise, 21, pré-universitária, para conhecer a Disneylândia. 

Maior do que seu tempo na lista de espera no transplante é sua lista de sonhos 

“Doação de órgãos pode salvar várias vidas, como está salvando a minha. Existe muita gente entre a vida e a morte esperando um órgão. Eu gostaria que nossa história tocasse no coração das pessoas, para todo mundo entender a relevância do ato da doação”, agradece.

A mãe, Elissandra Botelho, 45, largou a carreira de vendedora para cuidar da filha. O pai, Hilton Silva, 48, é taxista. A família mora no bairro do Condor, em Belém.

“Não é só a Santa Casa, o governo do estado, o SUS. Eu agradeço demais aos doadores. Eu entendo o quão difícil seja para a família doar. A decisão sempre é muito bem-vinda. Sempre é muito positiva. Se não fosse pelos doadores, por quem seria? É uma tristeza para quem perde, mas é uma tristeza que até pode ser ressignificada pela sensação de se estar salvando outras vidas, considera Elissandra. 

Texto: Aline Miranda (Santa Casa), com colaboração de Ana Cristina Campos (Hemopa) e Laís Menezes (Sespa).

Fotos: Rafaela Soeiro (Santa Casa)

 

Deixe um comentário