Você está visualizando atualmente Transplante de rim na Santa Casa devolve sonhos e “vida normal” para crianças e adolescentes do Pará

Transplante de rim na Santa Casa devolve sonhos e “vida normal” para crianças e adolescentes do Pará

Pacientes receberam alta e seguem acompanhados por equipe multiprofissional

Depois de uma pausa forçada pela pandemia da covid-19 no serviço de transplante renal pediátrico da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP), os primeiros pacientes do momento de retomada da dinâmica cirúrgica acabam de ter alta hospitalar. As cirurgias foram realizadas entre os dias 12 e 13 de setembro, a partir de um mesmo doador, uma criança com morte encefálica.

Nessa terça-feira (28), Sandro Nonato, 10, e Kayla Gabrielly Silva, 17, não só foram liberados para voltar para casa: o fato de estarem bem, saudáveis, com evolução positiva dentro de todos os parâmetros clínicos, significa muito mais.

Agora a criança de Barcarena, no nordeste do Pará, e a adolescente da capital Belém podem voltar a uma vida considerada “normal”, frequentando escola, sem necessidade de hemodiálise e livres para uma alimentação diversificada. Sobretudo, podem voltar a sonhar e a planejar o futuro. Tudo fora bruscamente interrompido quando ficaram doentes com gravidade.

O cirurgião vascular Silvestre Savino resume: “A ideia é suprir a demanda do Pará e da região Norte; figuramos como um pólo regional. Para essas famílias, transplantar no estado e na região delas e aqui acompanhar, tratar, são um ganho imenso, porque reduzem os danos emocionais, fisiológicos e financeiros de deslocamento, de retirada do meio, de desarranjo nas estruturas familiares”, explica.

A nefropediatra Monick Calandrini orienta que “o transplante renal é um tratamento para a doença renal crônica em crianças, não é a cura: muda de verdade a qualidade de vida e permite que a criança cresça, se desenvolva, em um nível bem aproximado do fisiológico”, reforça.

Sandro

Portador de nefrite, Sandro comemorou 10 anos no último dia 10 de setembro. Antes de soprar a vela em cima de um bolo que não podia experimentar dadas as restrições alimentares, ele fez um pedido secreto. No sábado imediato, a família foi avisada pela Santa Casa sobre a disponibilidade de um rim.

“Eu pedi um rim pra Deus e ganhei no dia seguinte”, revela a criança.

Os planos são de curto, médio e longo prazos. “Vou tomar uma tigela de açaí e quero aprender a ler”, completa.

Há dois anos e meio o estado delicadíssimo de saúde obrigou a criança a abandonar as aulas e a mãe, a dona-de-casa Laísa Rafaela, 29, a abandonar o cursinho pré-vestibular. Sandro não podia ultrapassar os 500 ml diários de líquidos e nem sequer consumir algumas frutas. Laísa se ocupava nos cuidados com o filho.

Na refeição de despedida dentro do hospital, Sandro saboreou uma banda de mamão. Ante a pergunta sobre a sensação, ele foi taxativo: “Hummm, delícia”.

Laísa pretende cursar uma faculdade na área da saúde.

Kayla

A chance de Kayla Gabrielly se tornar nefrologista é grande. “Estou pensando bastante. Vocês são minha inspiração”, comove-se a moça, no agradecimento à equipe médica. Estudante do ensino médio, ela ainda se encontra em dúvida sobre Direito e Medicina.

Após três anos e oito meses de hemodiálise três vezes por semana demandada por doença renal crônica, para Kayla o tempo deixou de ser uma angústia e passou a ser generoso.

Ela se prepara para levar o sobrinho único, Davi, 2, à Disneylândia, para uma xícara de chocolate quente em uma doceria famosa e para visitar a Ilha do Combu, reduto turístico de Belém, às margens do rio Guamá.

“Não sou de me expor nas redes sociais, mas a hashtag perfeita pra uma postagem sobre o que está acontecendo seria #doeorgaos”, anima-se.

A mãe, Elissandra Botelho, 45, começou a mirar em uma faculdade para ela própria, talvez de Serviço Social.

“É como se todos estivéssemos respirando de novo”, diz.

Alta Multiprofissional

Entre a admissão preliminar no Hospital, a terapia substitutiva, o evento ilustre da alta hospitalar e a continuidade de atendimento pós-transplante, está o trabalho de mais de 50 profissionais de diferentes funções e especialidades na Santa Casa.

A Instituição é referência em tratamento renal pediátrico, desde 2019 credenciada pelo Ministério da Saúde (MS) para transplantes de rim em crianças e adolescentes de até 17 anos.

A alta hospitalar de prosseguimento ao transplante bem-sucedido é de caráter multiprofissional, com participação além dos médicos: ainda, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, entre outros peritos.

Os pacientes continuam em tratamento, com consultas periódicas e medicação.

A nutricionista Érica Maia corroborou a prescrição dietética de modo direto com as famílias: “Orientamos dieta saudável, sem exagero, sem industrializados, o mais natural possível. Os dois primeiros meses são o período adaptativo mais crítico, então vamos acompanhando passo a passo”, pontua.

A terapeuta ocupacional Fernanda Lobato avalia que brincadeiras e exposição do corpo carecem de certa proteção da área abdominal nos meses iniciais: “Antes do transplante, os pacientes padeceram limitados nos movimentos, eram demais vulneráveis. Aconselhamos que, na pós-cirurgia, eles recuperem independência e segurança, mas respeitando o avanço paulatino do tratamento”, considera.

A farmacêutica Cinthya Menezes entregou os medicamentos para se evitar rejeição dos novos órgãos. O abastecimento será mês a mês: “São medicamentos de alto custo, da Farmácia de Componente Especializado. Entregamos, conduzimos o entendimento dos responsáveis sobre como tomar, sobre interação com outros medicamentos, sobre interação com alimentos etc., tudo em linguagem acessível e com consolidação por escrito. Se tiverem alguma dúvida, eles podem entrar em contato telefônico”, reitera.

Emocionada, a nefrologista Carolina Lisboa declarou que se considerava mais do que médica das famílias: “Virou uma amizade profunda. É bastante convivência, sofremos e festejamos juntos, cria-se um vínculo de existência inteira”, narra.

Transplantes

Outros dois pacientes foram transplantados na Santa Casa no dia 16 de setembro.  Uma criança de Belém e outra, de Soure, no Arquipélago do Marajó, já tiveram alta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e se encontram internadas em enfermaria, com bom restabelecimento.

Na atualidade, o Serviço de Terapia Renal Substitutiva dá suporte a quase 30 crianças e adolescentes, as quais representam a lista de espera renal pediátrica para transplante no estado do Pará.

De acordo com a médica Monick Calandrini, a preferência é por doadores falecidos, porque rins transplantados têm um tempo útil e crianças e adolescentes receptores precisarão de um novo transplante na fase adulta. Para o segundo transplante, recomendam-se doadores vivos, aparentados, com mais compatibilidade:

“Para o segundo instante, existe mais vantagem em transplantes intervivos, porque os pacientes estão dessensibilizados pelo primeiro transplante e, assim, escolhemos um órgão com melhores condições, com menor risco de rejeição precoce e com mais controle sobre a função do enxerto”, fundamenta.

Texto e Fotos: Aline Miranda

Deixe um comentário